sábado, 24 de novembro de 2012

Entrevista com Kerckhove



Gente encontrei essa entrevista com Kerckhove e quis compartilhar, não sei se ja tinham lido mas é bem interessante. Leiam



Derrick de Kerckhove é professor do Departamento de Letras da Universidade de Toronto, no Canadá, onde também ocupa o cargo de diretor do McLuhan Program in Culture and Technology. Ele acompanha, como poucos, as mudanças socioculturais provocadas pela popularização da internet e das tecnologias da informação. Ex-assistente (e “herdeiro intelectual”) de Marshall McLuhan, Derrick é autor de vários livros, como “Brainframes: Technology, Mind and Business” (1991).

Nesta entrevista, concedida via e-mail ao Vinícius Andrade Pereira, professor da UERJ e da ESPM, Derrick mostra como essas novas tecnologias estão mudando o jeito de as pessoas se informarem.


Vamos começar considerando o impacto das novas tecnologias sobre o modo como os jovens estão consumindo entretenimento… O que o senhor destacaria?

Veja o telefone celular, por exemplo. Ele está distribuído mundialmente exceto, talvez, para jovens de regiões extremamente pobres. O SMS (Short Message Service, o popular torpedo) é barato e tem uma linguagem e uma cultura própria, desenvolvida no estilo telegráfico de se digitar mensagens com o polegar.Textos que podem até ser mais elaborados, mas ainda assim curtos, permitidos por equipamentos mais sofisticados. Há também os games, os jogos eletrônicos.
Há muitos deles, formando a maior indústria de entretenimento atualmente — maior mesmo que a própria indústria cinematográfica — que deve ser interativa, porque o entretenimento, na sua maior expressão, é em tempo real.
Isso significa que a indústria do entretenimento hoje, sob a égide das novas tecnologias, deve ser participativa, interativa, conectada e imediata. Formas de entretenimento com conteúdos tradicionais como filmes, séries de TV e mesmo livros continuam a ser consumidas, mas a ação real se dá para os jovens dentro de uma perspectiva do “onde estou”, não em alguma ficção. Nesse sentido, talvez “consumo” não seja a palavra exata . E mais, existem ainda as mídias sociais, tipo Facebook, Orkut e MySpace, e mesmo os metaversos (Second Life, por exemplo) que promovem novos playgrounds para os jovens. De maneira geral, as pessoas parecem não desfrutar de softwares sociais para interconexões como faz a garotada, que está no auge dessa onda.

E como as novas tecnologias estão mudando as maneiras das pessoas se informarem?

Cada um de nós ocupa o centro de uma esfera midiática eletrônica que nos apresenta todo tipo de informação, o tempo todo, em qualquer lugar. McLuhan propôs que o meio é a mensagem, o usuário é o conteúdo. Isso é verdade: nós estamos no centro de uma completa imersão nas mídias e nos ambientes de informação.
As pessoas estão criando suas próprias redes de informação, das mais imediatas (família e amigos), às globais, através de blogs, comunidades virtuais e de softwares sociais. Podemos dizer que as pessoas criam suas próprias informações coletivamente em sites como a Wikipedia, por exemplo.
Criam tais informações de modo individual e coletivamente através de sites como o del.icio.us ou o Flickr, por exemplo. O conteúdo, o formato e a distribuição da informação mudaram também.
As informações são multimídia, hipertextuais, etiquetadas (tagged), linkadas e interativas.

Como as universidades devem se “comportar” nesse contexto da cultura digital?

Várias reformas deveriam ser empreendidas a fim de permitir às universidades se beneficiarem das redes sociais digitais, adaptando seus currículos e métodos de ensino, do mesmo modo que seus métodos de avaliação, pesquisa e publicação. Mas as universidades não estão com pressa de se integrarem plenamente às novas mídias. Sim, é verdade que existem práticas tais como conteúdos de disciplinas que são dispostos da forma de podcasting, e especulações em torno da Wikiversity, mas os estudantes ainda têm que esperar o fim do lento processo de publicação das suas teses antes que possam postular a um espaço profissional mais expressivo, dentro dos meios acadêmicos. Parece injusto manter jovens doutores estudiosos privados de uma publicação online e, desse modo , reduzir as chances de conquistarem mais espaços de atuação, até que seus trabalhos sejam publicados no ritmo de lesma, típico da publicação em papel.

O senhor tem viajado por todo o mundo, dando aulas e palestras em diferentes países como Estados Unidos, Itália, Brasil e Japão, entre outros. Como as novas tecnologias estão impactando essas culturas?

Penso que o importante para todas as sociedades e também para todas as comunidades locais são o acesso e a garantia de liberdades civis. O fornecimento de comunicação deveria ser uma das responsabilidades principais do Estado, tanto quanto transporte, saúde, segurança e outros serviços básicos. Contudo, observamos interesses variados quanto à adoção de tecnologias de informação e de comunicação por diferentes países. Testemunhamos, por exemplo, por muito tempo — e em vão — a resistência da França contra a internet, para proteger o Minitel. E então, no começo dos anos 90, ocorreu sua rápida recuperação no que diz respeito às taxas de adoção da internet. Ou o caso da Itália, onde o acesso à internet ainda está em um baixo patamar, de 31% da população, quando comparado aos 78% na Inglaterra. A conseqüência de qualquer retardo na adoção dessas tecnologias é a promessa de um crescimento econômico menor e mais lento. E isso se dá porque a capacidade intelectual de um país não está sendo alimentada. É tão contraproducente para um Estado frear ou resistir, através das suas leis, a formas de conectar comunidades, quanto concentrar todas as energias da nação em uma única indústria, como a do petróleo. Você precisa de ambos, músculos e cérebro, para pôr um país em movimento.

O que o senhor diria aos pais que estão educando seus filhos hoje? Quais seriam os limites e os direitos de crianças que estão lidando todo o tempo com diferentes tipos de mídias?

Este é o maior desafio da educação. Mas é difícil encontrar professores que irão educar seus alunos para um uso crítico da web. As mídias estão mudando tão rapidamente que as habilidades requeridas para lidar com elas parecem, desde os primeiros dias da web, reservadas às gerações mais novas. O que se pode ver, por exemplo, na idade de Marc Andressen, 19 anos, quando desenvolveu o primeiro browser, o Mosaic. O único modo dos pais intervirem eficientemente junto às “crianças online” é partilhar a experiência com elas de vez em quando, mostrando através de exemplos, usos adequados da mídia e se distanciando um pouco para ver como as coisas vão… Dando um passo atrás para poder ver o quadro como um todo. Como direitos das crianças, acho que são os mesmos que os dos adultos. Quero dizer, você não invade a privacidade delas mais do que como você faz com um vizinho… : O mundo online é uma extensão e não uma contradição ao mundo físico. Mas, como em todas as coisas, há uma aceleração e multiplicação violenta dos efeitos de qualquer meio e, no caso específico da internet, as possibilidades de se escolher direções erradas estão multiplicadas.

Como o Brasil poderia aproveitar os celulares para acesso a serviços básicos de cidadania, ou mesmo para votação?

Não conheço a cena política brasileira o suficiente para falar com propriedade sobre isso…Mas posso afirmar com certeza que, se o Brasil quer alavancar sua economia e assegurar o seu papel como interlocutor no Primeiro Mundo, como está começando a acontecer, o governo brasileiro deveria considerar a ideia de conectar todo o país, começando com grandes concentrações da população, provendo conectividade de graça para algumas favelas escolhidas sob certas condições, a fim de encorajar o desenvolvimento e a maturação destas comunidades.

Fonte: http://www.cultura.gov.br/site/2008/08/25/internet-tambem-e-cultura-derrick-de-kerckhove/