domingo, 19 de agosto de 2012

Eu sou a Terra a olhar para si própria






No capítulo final de seu livro A Pele de Cultura, Derrick de Kerckhove, descreve suas sensações e sentimentos ao observar pela primeira vez uma imagem da Terra fotografada do espaço. A experiência que lhe trouxe uma "emoção fantástica e um sentimento de ternura e espanto" também carrega um anúncio profético: "um novo ser humano está a nascer." 
Ao combinar sua vivência com suas análises sobre as tecnologias e os seus efeitos na vida humana, Kerkhove afirma que a fotografia da Terra transformou a percepção do homem no que se refere a sua identidade e aos limites de seu "eu". O planeta que antes era uma "bola redonda suspensa no espaço" ilustrado em livros de escola, agora, visto através de uma fotografia, se transforma na Terra que mediante a imensidão do universo escancara as contradições do antropocentrismo.
Para Kerckhove, ver a Terra revelou a paradoxal sensação de "estar contido". A existência humana já não se faz somente dentro dos limites físicos de um corpo material, o homem passou a se ver como parte de um planeta e o planeta passou a fazer parte dele. A fotografia como extensão técnica das percepções humanas revelou: somos todos um, nas palavras de Kerckhove, "eu sou a Terra, eu e toda a gente." Evidencia-se a perda das fronteiras entre o eu e o meio ambiente e a relação humana com a natureza que antes dava-se de maneira frontal, dual e antropocêntrica, agora, revela-se a partir da interdependência, da conectividade e da percepção ecológica/ecossistêmica.
Essa redefinição da realidade humana e de sua relação com o meio-ambiente está intimamente ligada as suas experiências com as tecnologias de informação e comunicação. Nessa nova concepção identitária é revelada uma nova percepção da existência em que o homem não se concebe como separado do todo e torna-se uma "pessoa mais abrangente". Nesse sentido, como afirma Kerckhove, "o homem renascentista já não é o modelo", surge um novo ser humano e uma nova sensibilidade e, nas palavras de Maffesoli, para esse homem "não é mais a razão universal que vai servir como padrão." Desse forma, para pensar essas transformações paradigmáticas possibilitadas pelas novas tecnologias, busco as reflexões e contribuições da ecosofia "conhecimento que renasce [...] e que ainda não sabe como nomear-se [...] e que nesses diversos elementos que formam a verdadeira cultura, não são mais a separação e o corte que prevalecem, muito pelo contrário, o que subjetivamente se capilariza nas práticas cotidianas é a preocupação com a conjunção. O corpo e o espírito intimamente mesclados. O materialismo e o misticismo não mais como opostos. [...] É esse o âmago dessa ecosofia que está em pauta." (Maffesoli, 2010)

DERRICK, Kerckhove de. A pele da cultura. Portugal. Relógio D’ Água Editores. 1997. 
MAFFESOLI, Michel. Saturação. Trad. Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, Itau Cultural, 2010.


Talita do Lago 

Um comentário:

  1. O texto da Talita me remeteu à obra de Hanna Harendt, especialmente ao seu livro "A condição Humana", no qual, logo no capítulo I, "A Vita Activa e a Condição Humana" (p. 17), ela relata o seguinte: "[...] A condição humana compreende algo mais que as condições na qual a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. o mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus autores humanos. Além das condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra e, até certo ponto, a partir delas, os homens constantemente criam as suas próprias condições que, a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força condicionante das coisas naturais. [...]". Penso que é esta a realidade humana a qual se refere Kerckhove, isto é, são as próprias criações do homem, e, nesse caso, dos meios de comunicação, que transcendem o corpo material, estendem-se ao espírito e faz surgir um novo homem, e claro, uma nova cultura...

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